sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Classificados III

Bonsai por bom preço

Vende-se um bonsai de jabuticaba, ainda novinho, sem frutas. Suas folhas estão renascendo, após queda total. É um convalescente, saindo do estado vegetativo, depois de brutal decepção vegeto-amorosa com uma bonsai de laranja.

Na verdade, o dono dele está de mudança. Esse é o verdadeiro motivo para desfazer-se de um amigo. Uma mudança exige deixar fantasmas para trás. E o bonsai lembra-lhe certa pessoa, tipo laranja-lima azeda...

“Tiudio” bem, mas... vender um bonsai de estimação???

...

Vá lá: doa-se um bonsai de jabuticaba, ainda novinho...


PS: Escritor não consegue decidir qual é a melhor sinopse! Alguém me ajuda...!!!

A Canetinha Azul

De pés e mãos atadas, literalmente, a menina-escritora não sabe mais o que fazer. Tem gesso nos pés, gesso nas mãos. Não pode andar, não pode escrever. E se sua vida são as letras, que mais pode ela fazer?

Lê e relê o dia inteiro, e sente seus olhinhos cansados. Mas não pode parar. É esta a sua vida. E continua a ler as letras que ama.

As mãos coçam, o pensamento escreve num papel virtual.

Papéis e canetas de todas as cores — presentes amorosos — estão espalhados sobre sua cama. A vontade de escrever, de rabiscar é tamanha... Mas a mão dói.

De repente, seus dedos tocam a caneta azul. É a sua preferida. Brinca com ela. E sente ciúmes da canetinha. Ciúmes de que mais alguém a toque. E ciúmes da própria caneta. Sente raiva. Queria poder escrever com ela. Mas tem pena de acabar com a tinta de seu presente amoroso preferido. E sua mão dói... O sono vem...

Acorda, de repente, com o quarto subitamente iluminado. E a menina vê a caneta correr sobre o papel, sozinha, bailando, escrevendo exatamente aquilo que ela está pensando.

E a mulher-escritora agora vê seus pensamentos se transformando em letras que vão ser admiradas, amadas... muito amadas!

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Mudança

Hoje, um sábado, foi assim: dia de mudança.

Há tanto tempo tento mudar, que acordei bem disposto. Bem disposto uma vírgula, pois cheguei a casa bem de madrugadinha, quase amanhecendo, vindo da “Festa dos Imprensados”, na acolhedora vivenda de Alcélio e Regina Monteiro.

Às sete, a contra-gosto, já estava de pé. Foi deitar e levantar! Não tomei café e não há muito que contar. Até às três da tarde, foi um sobe e desce infindo. Como se acumulam coisas inúteis dentro de uma casa! Como se acumula fome quando o trabalho é braçal! Como se desperdiça loucura quando o trabalho é escrever!

E como se acumulam fantasmas durante uma vida! Em cada armário a limpar, em cada foto esquecida, em tudo há um pedaço de vida a nos lembrar que o tempo é implacável.

E como sói acontece, os amigos que diziam “quando chegar a hora me avisa, que te darei a maior força” não apareceram. Gastei a força de um mês em apenas meio dia. Cuidamos da mudança, eu, minha filha, minha irmã e uma prima, esta com problemas nas articulações.

Mas, apesar das dores por todo o corpo, mudança nunca é sinônimo de tristeza ― afinal, “casa nova, vida nova”. Acabado o transporte, deixado o resto para o dia seguinte, deitei-me no sofá e dormi até às sete da noite. Acordei com vontade de vinho.

Minha adega é pouca, não sei pela falta de ir ao supermercado, não sei se pela sede que impede uma reposição a contento. Peguei o Astica (um Merlot/Malbec encorpado, seco como meu coração e nossas pastagens no final de inverno/início de primavera ― e não vou citar o bouquet, os taninos suaves, o amadeiramento nobre, o frutado das flores silvestres). Bebi o vinho de terceira como se aguardente fosse, e de quinta. Importava beber.

No meio da bagunça, minha filha descobriu salaminho, queijo e pistache.

Restávamos, ao final, eu, minha filhota e minha irmã. Vinho, pistache, vinho, queijo, vinho, salame, vinho... e a danadinha começou a filosofar. Meus cinqüenta e um outonos suportaram bem os vinte e três verões de falação filosófica de minha herdeira (era argentino, o Astica).
Minha irmã só escutava. Estávamos sóbrios, eu e minha filha, mesmo depois de dois asticas.

Deixo de atender, ao telefone, uns quantos convites para sair.

Acesso meu blog e fico feliz com os comentários de Fernanda, Nayara, Renata e Milena. São minhas leitoras preferidas. Não me sinto digno delas. Elas me obrigam a escrever sempre mais e melhor. Mas hoje não, queridas. Estou cansado e sem inspiração.

É tarde da noite, mas meu espírito indômito me futuca para sair e só voltar de manhã. Sou salvo pelo telefonema de uma amiga. Meia hora de conversa me convence. Fico. Fico só.

Vou dormir decepcionado. Sou meio nômade, cigano. Já morei em tantas casas diferentes, em tantos corações indiferentes... Hoje, mudei mais uma vez. Enfim, estou mudado. Estou? E por que então não deixo de amar aquela uma? Ou por que estou começando a amar aquela outra, que é a mesma que aquela uma?

Ah, porra, por que um homem que muda tanto de casa não consegue mudar de coração, de pensares...?

Pobres de nós, escritores, que damos vida a personagens tão distintos, que lhes fazemos felizes ou tristes, que lhes controlamos cada passo, mas não sabemos conduzir nosso próprio destino. Por que não conseguimos nos dar meio e final felizes? Por que não conseguimos mudar o livro de nossas vidas?

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Classificados II

Escritor desconfiado contrata seguro urgente

Não, não é seguro contra falta de inspiração nem contra qualquer LER. Nem contra a falta do que escrever. Também não é contra pane de notebook emburrado ou gráfica emperrada.

Também não é contra qualquer problema com os olhos. Quer dizer, com os olhos dele, não.

À bem da verdade, escritor meio sonso, sensível a olhares furtivos, contrata seguro para se proteger contra certos olhos castanhos, do tamanho de uma jabuticaba bem crescida, porém de vez.

Se o olhar for tipo "rabo-de-olho", ele concorda com majoração do prêmio.

PS: Escritor está analisando as várias sinopses recebidas.

O silêncio do escritor

O escritor constrói uma cidadela de palavras em torno de si; ele mora num condomínio de palavras mudas. E faz do silêncio de suas palavras um grito de amor.

Durante décadas construí meu silêncio. E foi um processo demorado e doloroso. Ano após ano, deixava de dizer "eu te amo", "eu te gosto", ou mesmo o simples e quase obrigatório "bom dia!", até chegar ao ponto de nem mais resmungar. Senti-me bem, assim. O que dizer, se não há a quem dizer? E, nesse mutismo, escrevi casas, edifícios, condomínios de palavras mudas. Em volta, ergui um muro isolante e protetor. Dentro dessa cidadela, coloquei personagens silentes. As pessoas da minha cidade sem palavras cumprimentavam-se apenas com um aceno de cabeça, riam digitando "rsrsrs", gostavam-se apenas com um sorriso, namoravam apenas com abraços, diziam "eu te amo" apenas aumentando a pupila de seus olhinhos miúdos, declaravam sua paixão escrevendo cartas para a lua. Sons, nunca; eis que eram proibidos. Bani, de minha cidade, de minha vida, o som melodioso das vozes.

A cidadela cuidadosamente planejada e erguida por mim era uma proteção contra o amor e tudo o que ele carrega de ruim consigo. Era talvez um treinamento para quando me deparasse com o amor tão sonhado. Treinava em palavras mudas, de forma velada, o sentimento que explodiria em palavras vivas quando o instante mágico acontecesse. Nesse instante, eu teria na ponta da língua as coisas que uma pessoa amada gosta de ouvir.

Cidadela sem vigias, sem senhas de proteção, foi o que ergui. Minhas páginas, desguarnecidas, abertas, expostas, foram a porta de entrada de uma leitora não convidada. E, de repente, meus escritos foram invadidos por uma poetisa que me fez sentir vontade de gritar. A própria voz dela, em meio ao meu silêncio auto-imposto, era um libelo à libertação da minha voz. Ela, sem pedir licença, leu e amou minhas letras proibidas, rabiscou meus textos, revisou meus conceitos, deu novo rumo à história da minha vida. Cheguei a acreditar num final feliz. E quando eu quis gritar, foi preciso que o silêncio baixasse entre nós.

Não queria silêncio agora, pois o amor não vive disso. E fica o grito preso na garganta, a mão travada, os dedos amarrados, a caneta impedida de falar.

Nessa fictícia cidade que criei para mim, imaginei-me um dia a passear pelas ruas, levando debaixo dos braços meus escritos. Eu, mudo; eles, falantes. Em plena Praça dos Escritores, ladeada de livrarias, papelarias, e freqüentada por milhares de leitores, eu abriria meus livros e os lançaria ao céu. Deixaria – e desejaria – que minhas letras ganhassem vida, saltassem do papel e caminhassem pelas ruas, gritando o nome da minha amada, declamando meu amor por Ela.

Ao passante, elas diriam: "Bom dia, sabias que M ama T?"; ao vendedor da esquina, "Sabias que T ama M?"; ao mendigo, "M e T se amam". À professora, ao jornalista, ao apressado, ao motorista, a todos os viven-tes as minhas palavras diriam algo de bom, expres-sando minha alegria e felicidade por amar e ser amado.

E todos nos reconheceriam nos semblantes felizes e sorridentes das estátuas que eu mandaria erguer no meio da Praça do Amor: bustos grandiosos, imponen-tes, o meu sempre ao lado do dela: ora eu corrigindo os textos dela; ora ela amando minhas letras; e muitas, muitas estátuas em que estaríamos entrelaçados: eu rabiscando as letras dela; e ela, as minhas.

Era assim a cidade que tentei reconstruir depois que nela veio morar quem amo.

Minhas letras, porém, andam caladas. O silêncio se impôs sobre elas. E, assim, vigiadas, controladas, censuradas, deambulam cabisbaixas pelas ruas, envergonhadas por estarem encarceradas em sua própria casa, privadas de sua função primordial: cantar o amor e tudo o que ele carrega de bom consigo.

Mas um escritor é feito mesmo de silêncio. Silêncio e dor. Ele constrói seu condomínio de palavras mudas apenas para nele ser encarcerado e sofrer em silêncio.

Talvez seja assim mesmo o amor entre escritores: feito apenas de silêncios, papéis, sons esparsos, palavras mudas, segredos, crônicas, enigmas, símbolos, poemas, presentes amorosos, calmas a mais, palavras de amor, risos e rabiscos no papel... E silêncio, bastante silêncio, enquanto o amor descansa da luta terrível que está travando.

Ainda bem que um grande amor não se acaba somente pelo silêncio.