terça-feira, 15 de julho de 2008

Sabedoria Humana


O conhecimento humano se faz de geração em geração. Ninguém pode saber tudo no decorrer de uma vida. A sabedoria humana não é de um só, mas da humanidade.

Minha filha sempre me pede para fazer coisas simples em casa, como trocar a resistência do chuveiro, fazer a torneira parar de pingar... Sempre digo que não sei. E toda vez ela se irrita:
“Pôxa, pai, você também não sabe nada!”.

São os ecos da minha infância, que se repetem sempre. Vez por outra alguém gritava comigo, quando eu tinha má vontade em fazer as coisas: “Você não serve pra nada!”.

Meu pai, ao contrário, fazia de tudo. Meu avô, mais ainda. Eu cresci e não sei se por trauma, pirraça ou má vontade... a verdade é que não sei fazer quase nada dos afazeres domésticos normalmente reservados para os homens no final de semana.

Hei de servir para alguma coisa. Mas o quê?

Eu sei escrever. Quer dizer, acho que sei. É o que gosto de fazer, pela manhã, à tarde e à noite. Até durante o sono eu rabisco alguma coisa. Será que só sirvo para isso: escrever? E ser escritor significa que sei de alguma coisa? Muitas pessoas, ao me conhe-cer, fazem cara de espanto e admiração. Acho que eles pensam que sou uma enciclopédia ambulante, que sei de tudo nesta vida.

Quem me dera! Lembro-me de quando era pequeno. Eu era metido a saber mais do que os outros. Para tudo eu tinha uma resposta. E, por isso, durante bom tempo, ganhei o apelido de “sabedoria humana”. Mas eu cresci...

Pensei, quando moleque, que um dia poderia vir a ser um sábio. Sonhava em adquirir o conhecimento pleno, inspirado nas coisas divinas e humanas. Das coisas divinas, ninguém nunca me disse nada. E das humanas, o que aprendi foi apanhando. E estudei, estudei e estudei...

Será que aprendi realmente alguma coisa depois de tanto estudo?

Penso, então, na seguinte hipótese: um disco voador baixa no meu quintal e sou abduzido. Logo, logo estou num planetinha bem distante, todo enrolado em fios e eletrodos. Os extraterrestres querem tirar de mim informações preciosas sobre a vida na Terra.

Que sei eu?

Saber diferenciar boi de vaca, laranja de mexerica, mármore de granito não é de grande valia nessas horas. Eles querem saber sobre artefatos bélicos: quantos são, onde estão, qual o poder de destruição. É uma linguagem estranha, falada em vários tons e megatons.

De máquinas e artefatos, conheço apenas o funcionamento de algumas: não da metralhadora, mas da velha Remington; não do helicóptero de guerra, mas do velho pião; não de um lançador de mísseis, mas da velha “seta’’.

Que teria eu para ensinar a eles?

Sei alguma coisa de futebol, de religião e política (apesar de todos dizerem que penso errado). Mas não pinto, não cozinho, não costuro, não bordo, não canto nem componho. Não planto nada, não fabrico nada.

Descubro, desolado, que nada sei. Fragmentos, etapas, noções foi o que aprendi nessa vida. Apenas isso, mas nada por inteiro, do início ao fim. Logo eu, o grande “sabedoria humana”! Eles também descobrem minha ignorância – ET não é bicho bobo. Decepcionados, me jogam de volta ao meu quintal.

Também estou decepcionado comigo. Sinto-me inútil. Anos e anos de estudo e de vivência para acabar assim: rejeitado por não saber nada?

E ainda me vêm uns sujeitos lá de outro planeta querer que eu saiba sobre guerras. Não dei boas respostas. Nada falei, e nada falaria, mesmo que soubesse.

Ah, mas se eles tivessem me perguntado sobre bisca de “rele” ou canastra, sobre torresmo com cachacinha ou cerveja com rã frita, sobre o Flamengo de Zico ou a seleção de 70, sobre Drummond e Rubem Braga, sobre amores feitos e desfeitos, das coisas divinas que passam pela alma humana... enfim, se aqueles seres robotizados tivessem perguntado sobre o que realmente me interessa, o que vivo no meu dia-a-dia e que, por força da repetição, acabo aprendendo... mas não: eles só queriam saber das realidades práticas, fúteis e odiosas da vida.

Azar deles. Pegaram o homem errado. Ou não sabiam que sou apenas um mero escritor?

Apenas um mero escritor... Talvez um cronista que, apanhando pelas estradas da vida, descobriu que é nas pequenas coisas do dia-a-dia que a humanidade se fez – que é nas relações de amor e amizade que reside a verdadeira sabedoria humana.

3 comentários:

Anônimo disse...

Ora! Pode, sim, um homem não saber de armas ou de ferramentas. Pois que o mesmo homem - este que se diz doméstico inútil - encanta facilmente com doces palavras. Adoro suas letras.

CONHAQUE COM MEL disse...

Também creio que Amor e Amizade sejam nossa meta . Mas não custa nada aprender a trocar uma lâmpada e consertar chuveiro, ora ! Bem , sobre o escrito, sou suspeita . Minha carteira de tiete é antiga e em plena validade . Abraço , meu cronista predileto.

Renata Mofatti disse...

A parte do aprendi apanhando é perfeita, é linda! Mas que tal aprender a trocar, pelo menos, a resistência do chuveiro... Fritar ovo e fazer miojo vc sabe, né??? rrsrsrsrs Ai ai, caro guri!