terça-feira, 15 de julho de 2008

Almorragia


Tenho, às vezes, uma fantasia:
uma hemorragia doce e suave,
vinho de minha própria cave,
avinagrado, que não emanaria
de nenhum ponto específico
de minha carne feita acrílico,
uma demorada consumação,
calculada na exata dimensão
para que eu possa dessofrer
antes de minh’alma esvaecer.

Resignadamente, eu a sinto:
bem lentamente, tudo me foge
sem que eu nada queira reter;
só o amor escapa a galope,
escorrendo para o infinito:
matéria escura vagando silente,
dor destilada sem nenhum grito.

Inflado como um deus grego,
esvazio-me total e eternamente:
sou o revés de um buraco negro.

Essa fantasia-verdade é meu porto,
que me agita, explode e me acalma.
As pessoas, todas elas, normalmente,
têm hemorragia sangrando o corpo.

Eu tenho hemorragia na alma...

3 comentários:

Anônimo disse...

Lindo, Marcelo. Senti-me liquefazer, de verso em verso, definhando aos poucos, a cada rima.

Renata Mofatti disse...

Eitcha que tô lendo de novo essa poesia em voz alta, sô!!! Quero lê-la na segunda, na Casa dos Braga... Vc permite?

Anônimo disse...

Esse poema é maravilhoso. Me confesso sem palavras. De novo! Se continuo a ler posso emudecer de vez, e nunca mais querer falar, apenas ler. Obrigado.