quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

O sexto dedo da mão

"Sede vós, pois, perfeitos, como perfeito é o Vosso Pai que está no céu". O ser humano é perfeito, em princípio. Mas, às vezes, o julgamento moral sobre os semelhantes se baseia apenas em alguma falha física que apresentam.

A Bíblia nos mostra que a paixão e a morte de Cristo são exemplos do que a pressa e o pré-julgamento podem fazer. E mais, que as penas devem estar de acordo com os crimes praticados. Lato sensu é assim que penso.

O Direito Penal reza que não se pode julgar sem provas, nem condenar sem o devido processo legal. Provas, nesse caso, significam papel; e, condenar, levar à prisão. "Allegatio et non probatio quase non allegatio", diz o Direito; ou seja, alegação sem prova é como se não houvesse alegação. É nisso que se baseiam os políticos, quando pegos com a "boca na botija". São apenas perseguições políticas, choramingam; não há provas, confiam. E o povo só observa.

O bom senso do povo sabe que para muitas coisas dessa vida não são necessárias as provas. Há muitos delitos que não são caso de prisão nem precisam seguir o incômodo, o rigor e a morosidade de um inquérito etc e etc. Arrolar testemunhas é constrangedor. Então, para as besteiras que cometemos no dia-a-dia, aplica-se o rito sumário: não passou na prova, é burro; perdeu, não sabe jogar; caiu, é mole; chorou, é mulherzinha; traiu, adeus. Acaso é preciso provar que uma pessoa ama ou deixou de amar? Basta saber, basta o sentimento.

É preciso provar que um político anda enriquecendo ilicitamente? Não, basta desconfiar. E o tempo de observação e o número de observadores são bastante grandes, o que evita injustiças com nossos nobres representantes. O julgamento do povo, nesse caso, não leva ninguém à prisão, mas deixa marcas indeléveis.

Quanto mais vivido o ser humano, mais lhe crescem os olhos para cobiçar, as mãos para afanar e as pernas para se safar. Esse desejo de fugir à responsabilidade é inerente ao homem, e vem do berço. Desde pequenos já sabemos nos virar para nos livrarmos da imputação de algum delito, por menor que ele seja. Quem nunca se esquivou de confessar que quebrou um copo, escondeu chicletes sob a tampa da mesa ou sujou uma parede?

Pois foi o que se deu com a então recém-pintada igreja de Burarama, que custou uma saca de café a muitos cafeicultores e muitas moedas aos pobres. Mesmo depois de tanto sacrifício, a Casa de Deus amanheceu com algumas marcas de mão, feitas a barro, sobre sua alva pintura recém-feita.

Desconfiou-se do Elieser – desconfiou-se, não; teve-se a certeza –, um menino bom que só ele, mas arteiro como nenhum outro. Elieser era desses moleques queridos por todos. Pobrinho e "pidão", mas muito prestativo, ninguém lhe negava nada em Burarama. O motivo de tanta complacência e querência – e até piedade – era uma verruga avantajada na mão esquerda, que mais lhe parecia um sexto dedo.

Questionado, o molecote naturalmente indignou-se. "Tem ‘pova’, é? Tem ‘pova’, é?", repetia, sem parar, o pretenso injustiçado, com seu jeito de menino carente. "‘Pova’ que fui eu!", desafiava com seu jeito adulto, como que exigindo um papel, uma testemunha ocular, uma foto, a prova cabal e irrefutável de seu crime. O "foi, não foi" prolongou-se por um bom tempo, a praça encheu-se de gente, mas ninguém se deu ao trabalho de ir ao cartório ou a delegacia atrás de provas. Não era preciso. Nem o benefício da dúvida cabia ao pobre réu. Afinal, todos tinham visto as marcas de barro na parede. E todas elas tinham um "sexto" dedo impresso.

"...e se tua mão direita te é motivo de vergonha, corta-a e lança-a longe de ti!", ecoou a voz de uma devota, um tom acima do murmúrio coletivo. A multidão fez cara de espanto, de nojo e de pena. Cortar a mão de Elieser? A mão toda, por um simples pecadilho? E o problema dele era na esquerda. Foi preciso um longo tempo de discussão para se chegar a termo, após a devida explicação da intenção inicial da santa devota ao evocar as palavras das Sagradas Escrituras.

Fosse no Irã e dedo a mais de Elieser teria sido cortado em público; no Japão, a Yakuza o teria cortado em sessão secreta. Mas em Burarama a comunidade é descendente de italianos e – como a Cosa Nostra não é mais a mesma e nós viemos do Vêneto, e não da Sicília – resolveu extirpar o mal pela raiz apenas agendando uma operação médica para livrar Elieser do seu sexto dedo, do apêndice dedurador. Afinal, por que execrar um menino tão bom, destinado a nunca ser político?

Ecco! Muitos homens exigem que se apresentem provas de seus malfeitos. Os políticos – sempre eles como exemplo! –, quando pegos em falta, querem provas de papel. Provas? Para quê? Não sabem eles que o mundo inteiro está de olho em suas "mãos-grandes", no sexto dedo que eles trazem escondido... ou no quinto dedo que alguns não têm.

Observe você também se não há um sexto dedo na sua mão. Eu, particularmente, penso que esse sexto dedo invisível estaria na minha mão esquerda, onde as mulheres o procuram – e não o encontram – para colocar uma aliança.

2 comentários:

Paixão, M. disse...

ADORO esse!!!!
muito bom clap clap clap :)

bjo!

Renata Mofatti disse...

Vou falar pra Milena bater palmas com seis dedos da mão clap clap cla elevado a sexta potência! Mas ba que o bom de ler, é também rabiscar... Tô com saudade !!!