sábado, 28 de fevereiro de 2009

Namoradeira

Sou daqueles que tinham uma casa apenas como ponto de partida. Nunca liguei para decoração, para o visual do lar. Para mim, tanto fazia se um móvel era novo ou velho, azul ou verde. Mas agora, de apartamento novo, ando achando que umas coisinhas velhas aqui e ali não fazem feio, para contrastar. E que uma habitante nova me faria muito bem.

E andei reparando nisso, depois de minha irmã já ter feito misérias em meu apartamento. Deixei a seus cuidados a decoração, e ela andou fuçando ferros-velhos e pendurando nas paredes até grades de janelas, achadas em depósitos de demolição. E não é que ficou bonito?

Andei pensando na segunda coisa depois que certa moça visitou meu novo lar. Ela veio, deu um palpite aqui, outro ali, iluminou o ambiente, deu vida ao meu lar e foi embora. Assim que ela se foi, após tão rápida visita, nunca a casa ficou tão vazia, escura, triste, enorme.

Logo agora, quando a casa passou a ser meu ponto de chegada.

(Ainda não conheço bem minha nova casa, mas vejo nela um castelo decrépito: há muros intransponíveis, mas derrubados; pontes elevadiças, abaixadas; portas de folhas duplas gigantescas, abertas; salas de armas, desprotegidas; calabouços escuros, sem chaves; salão de danças, vazio; torres indevassáveis, porém ensolaradas. E no meio de tudo isso, como se fosse a dona do meu castelo, há uma princesinha se fazendo de visita, passeando por todos meus pensares, lépida e fagueira, e logo vai embora — deixando seu perfume por onde passa.)

O visual da minha casa melhorou muito, mas vi que falta uma mão masculina nessa decoração (minha irmã feminilizou demais meu lar). E tenho cá minhas idéias acerca de como deve ser um apartamento de um solteiro.

E há-de ser assim: tiro aquele quadro cheio de rosas e penduro ali um violino; troco a máquina de lavar por uma adega; no lugar dos sucos coloco vinhos; onde há grades, ponho uma gaiola de portinhola aberta; em vez de ferrolhos, simples taramelas; na varanda, tiro aquela samambaia e coloco minha velha Remington, com as teclas de acento faltando.

A varanda... É ali que quero meter, com mais propriedade, minha colher de decorador. Nesse espaço de metro-e-meio-por-três-e-meio, hei-de montar meu escritório. Quero instalar, solenemente, mesa e duas cadeiras. Tenho em mente o mobiliário: um jogo de varanda estilo antigão, decorado com folhas e rendas de ferro fundido. Esse é o meu gosto. Sobre a pequena mesa redonda, à tardinha, coloco meu Notinho. Ao lado dele, meu bonsai e um copinho de cachaça. Uma das cadeiras, ocupo eu; a outra, deixo reservada para a solidão sentar comigo, quando quiser me visitar — coisa rara e da qual não faço questão.

Mas aí residem os problemas. O primeiro deles é que já encontrei esse conjunto de móveis — exatamente o que quero; percorri várias lojas, mas fui encontrá-lo justamente na casa de uma senhora que parece ter muito apreço por seus móveis antigos. Mandei-a pôr preço. Ela ainda negaceia, se faz cheia de amores por eles. Espero que a paixão que demonstrei pelos móveis fale mais alto ao seu coração do que, ao bolso, o valor que estou disposto a pagar por eles. Por que sou assim: se quero uma coisa, há-de ser ela, apenas ela. Ou tudo ou nada. E quando me apaixono por algo, ou por alguém, sou disposto a esperar e a pagar o preço exigido.

O segundo e derradeiro problema: acompanhando o jogo há uma namoradeira. A boa senhora sinalizou que, se vender, há-de ser tudo junto. E eu, que já terei uma cadeira vazia, o que farei com uma namoradeira, cuja razão de existência pressupõe a presença de duas pessoas? De dois namorados, aliás.

Ah, dirão vocês: “Namorada é fácil de achar”. É. Mas eu não saio por aí procurando. E, depois, eu quero ser achado, e não achar. E como ando tão escondidinho, na moita... E uma amiga dirá: “É fácil espantar qualquer solidão com uma namoradeira ao lado”. Sei não. Com relação a namoradeiras... nem banco nem mulher espanta a solidão.

Por achar que mais vale uma namoradeira vazia na varanda que duas nas mãos, decidi — à revelia da proprietária — comprar a dita cuja, e deixá-la quietinha, no cantinho da varanda, à disposição. E sobre ela vou colocar almofada bem macia, e sobre esta vou colar uma etiqueta com o nome da única pessoa que poderá sentar-se ali. Por que sou assim: se quero uma mulher...

Amigos, torçam por mim — para que eu consiga comprar minha namoradeira e a moça não-namoradeira que eu quero venha sentar-se nela à tardinha...

6 comentários:

Ludmila Clio disse...

Na torcida!!!

\o/

Renata Mofatti disse...

Fiquei feliz que apareceu novamente... Tempos que não via Marcelo Grillo visitando meu blog! Mas vamos falar da Namoradeira? Bem, por sempre ter sido e nunca ter deixado de ser meu escritor preferido eu arrisco dizer que agora é muito mais. Por quê? Esta crônica (em especial) é de uma riqueza fantástica de detalhes. A troca de objetos femininos para os objetos masculinos dão um "certo ar" de que tudo fica mais elegante da forma que quer... "Assim que ela se foi, após tão rápida visita, nunca a casa ficou tão vazia, escura, triste, enorme." Isso tambpem é mui belo... Dá a impressão de que a casa estava de portas abertas, mas quando a pessoa foi embora, a porta foi fechada e não entrou mais vento, mais luz... E nem preciso comentar sobre os opostos Ponto de Partida e Ponto de Chegada... Ambos explicadinhos muito bem... Sim, iremos torcer para que consiga a Namoradeira e que continue nos presenteando com toda essa maravilha!

Renata Mofatti disse...

Eu quis dizer "também e não "tambpem" rsrsrs

M.Maria M. Coutinho disse...

Decoração, uma incógnita pra mim...

Paixão, M. disse...

já conhecia esse texto, acho lindo lindo :) Você tem uma capacidade de descrição que transporta a gente pros seus cenários. parece que seus textos têm cor. Esse, por exemplo, é laranja e vinho.

rs.

bjo!

Anônimo disse...

Desnecessário elogios as suas obras.São perfeitas!
Cada vez que tenho o prazer em ler uma delas, fico com a egoísta presunção de me colocar por lá, no meio dela;e a sensação é que nesta não houve lugar para mim, não me encontrei, o lugar já havia sido preenchido.
Mesmo assim, me deleito em seus dizeres, viajo em suas palavras, penso conhecer um outro ser que existe em mim mesma, escondida,prestes a se descobrir fazendo parte de seu mundo.

Mais uma vez, Parabéns.