terça-feira, 15 de julho de 2008

O Bonsai


Um bonsai é uma árvore que não cresceu, por sofrer mil podas. Mas pode ser também um homem e seu coração, impedidos de amar.


Há quem goste de laranjeiras, ou de pitangueiras. Eu prefiro jabuticabeiras – pelo estalo da casca sob nossos dedos, pelo barulho da fruta negra ao pocar na boca; ou, talvez, pela semelhança da frutinha com os olhos da minha amada – miúdos feito jabuticaba de bonsai.

Por muito tempo fiquei querendo um pé de fruta no meu quarto, sobre minha escrivaninha, para que eu pudesse apreciar a natureza enquanto me mato de escrever. Outro dia comprei um bonsai, jabuticabeira miúda. Sonho realizado. Ele está cheio de frutinhas, e vou poder ver os olhinhos dela toda hora.

Jabuticabeira é planta que dá bagas suculentas, que devem ser chupadas no pé. É ali que colho as "bitelonas" – e as miudinhas, como os olhinhos dela –, trepado num galho, agarrado ao tronco como se fora um deles. De umas vezes engulo o caroço; doutras, não – porque não sou dado a estar engolindo "caroços".

Estirado na rede, enquanto sorvo um licor de jabuticaba, matuto sobre o porquê de ter escolhido um bonsai de jabucatibeira. Tirando os olhinhos, talvez porque o fruto é frágil, mas a árvore é justamente o contrário – sua robustez impressiona. Ao contrário sou eu, e os frutos do meu amor.

No senso comum, bonsai é uma miniatura de uma árvore. E por isso exerce uma atração física, visual, curiosa, mística. Essa atração, porém, não está na miniaturização, mas em sua imensidão. É possível que o mundo inteiro caiba num bonsai – ou uma vida toda. Ou duas vidas: a minha e a Dela. Assim também é a atração que exerço: sou miniatura, mas todos sabem da imensidão do meu amor.

Dou um bonsai à minha amada, porque ela disse que gosta de plantas, desde que não dêem trabalho. Um bonsai não dá. Ele precisa apenas de carinho, já que não é somente uma planta, mas a personificação do espírito da paciência, da dedicação, da criatividade, da proximidade, do aprendizado, da transformação, da paz interior, da idealização, da transcendência da vida… Bonsai não é apenas uma árvore, mas o Ser; não apenas a criatura, mas o seu criador, seu provedor. O bonsai e seu dono são uma coisa só.

Na minha definição crono-poética particular, um Bonsai é uma forma de encolhimento da árvore – não apenas algo que não cresceu, mas que foi impedido de se expandir. Pois também não sou um bonsai? Eis que, impedido de amar, ando encolhendo minh’alma. Em verdade, ando me encolhendo todo. Eu e meu coração às vezes ficamos pequenininhos feito jabuticaba de bonsai – basta que vejamos um velhinho pedindo esmolas pelas ruas, ou que vejamos nossa amada.

(E até quando deve um homem se encolher por não poder amar?).

Mas encolhimento é uma coisa, transformar-se em bonsai é outra. Para ser um bonsai eu deveria ser isso e mais aquilo, esperar décadas e mais décadas de podas e mais podas. Hum...! Não sou homem de décadas nem de ser podado. O processo de mutação de homem para bonsai é demorado demais para mim. Mas, se começo agora essa transformação, será que ela me aceita, num futuro não muito longínquo?

Não sei como me sairei nessa empreitada, mas aceito que, se por acaso, ao invés de "bom-sai" eu for um "mau-sai", ela pode me podar, cortar minhas raízes e me deixar sem água e sem carinho.
Bah!, que me importam essas balelas, se meu coração se transforma subitamente num bonsai tão logo a vê, quem sabe se para que ela se anime a cuidar dele...?

Lembro, porém, que um bonsai, de acordo com a milenar sabedoria chinesa, nunca ficará pronto. Há que se cuidar eternamente dele.

4 comentários:

Anônimo disse...

Como se coração desse coubesse num bonsai, apenas.

CONHAQUE COM MEL disse...

Pensando aqui quando esse Bonsai for um Ficus ... Gosto muito desse seu jeito de poetar uma Crônica (!!!) Abraço das areias do Suá .

Renata Mofatti disse...

Lembrei exatamente da primeira vez que li essa crônica (das vezes que reli perdi as contas)... Mas... eu estava dentro do ônibus, a noite, indo pra Mimoso... Um certo Policial Federal me veio entregar uma folha amassada e que coisa linda de crônica... Fiquei mesmo encantada... Meus olhinhos até se fecham diante da imensidão de suas palavras!!!

Bjks

Fernanda Fassarella disse...

Ahhh, que graça!
Como sempre, ler suas palavras agrada bem aos meus olhos, que não são de jabuticaba, mas acabam ganhando esse brilho noturno ao descobrir seus pensamentos transcritos.

Beijo tio!