segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Arrumação

Não sei o que é mais difícil nesta vida: arrumar papéis, a mala ou o coração. Não levo jeito para nenhuma dessas coisas – precisava de alguém que me ajudasse nessas tarefas tão comezinhas.


É hora de arrumar meus papéis, pois a inspiração acabou; hora de arrumar a mala, que o instinto andarilho chama; de arrumar o coração – o amor se foi.

Chegou o momento inadiável de reordenar os pensamentos, reprogramar a nova vida, traçar efetivas estratégias de comportamento, botar a cachola no lugar, aprender a viver só. Mas como me reconfigurar, me assentar, me aprumar na vida, se não conheço ninguém mais desajeitado para essas coisas do que eu mesmo?

Começo pela papelama. Pois tenho a mania de guardar papéis. Uns guardam dinheiro; outros, esperanças; alguns poucos, amores; a maioria, somente lembranças – eu, papéis. E não admito que mexam neles! Quando saio, aviso à empregada: Não mexa em nada que está em cima da mesa! Uma delas despedi somente porque "fuçava"onde não devia: justamente no montinho de lixo que fica em cima da mesa.

Sou um lixeiro de papéis. Saio para a rua e volto com os bolsos transbordando: cartões de visita, guardanapos, números de telefone, papéis de bala que não joguei fora porque não havia cesto de lixo por perto...

Minha técnica para organizar meus papéis é simples. Digo ordenar, apenas, porque desfazer-me deles eu não consigo. Quando enfio um no bolso, não há como jogá-lo fora facilmente. Rasgá-los ou queimá-los, nem pensar – seria uma heresia. Então, é assim que procedo: primeiro, esvazio os bolsos quando chego da rua. Espalho as dezenas de papeizinhos sobre a mesa e os classifico. Uma parte, pequena, vai para um monte sobre a própria mesa. Desses, a cada semana separo um tanto que vai para uma sacola que deixo em um canto da sala. Dessa sacola, uma vez por mês, jogo alguma coisa fora. No mês seguinte, confiro papel por papel dessa sacola e jogo alguns no lixo. O resto fica ali, para uma nova inspeção no mês seguinte, até que eu me convença de que não vou mesmo precisar de nenhum deles, seja um verso que já publiquei, um extrato negativo de banco, ou um número de telefone. O que sobra, o restolho, fica para sempre guardado num quarto de bagunças. Fuçando ali, vez num ano, ainda descubro contas a pagar, beijos a receber, telefones perdidos, recados não dados e alguns outros malcriadamente respondidos. Em certa caixa lacrada, que de tão bem escondida nem sei mais onde está, nunca mexo. Ali guardei as coisas de um amor que não vale a pena remexer.

Arrumar papéis, portanto, não é meu ofício. Então, deixo essa tarefa inglória para depois.

Tento arrumar minha mala. Ao abrir o armário, desanimo. É sempre assim: se abro uma porta, depois não consigo fechá-la – há fantasmas demais lá dentro; se tiro as roupas da gaveta, não consigo colocá-las na mala; se tento retorná-las, elas não cabem mais na gaveta. Descubro roupas velhas; mas roupas velhas, assim como o amor que passou, são panos e sentimentos que não nos cabem mais. Também não sei arrumar malas. Nem carregá-las. Vou partir assim, sem roupas nem papéis.

Mas antes de partir, devo arrumar o coração. Não se pode seguir viagem deixando amores mal resolvidos para trás.

Pois esse, sim, é o meu problema: coloco um amor no coração, não sei como tirá-lo de lá. Uma amiga diz sempre que eu devia colocar para fora todo o amor que tenho dentro de mim. Penso que ela queria dizer que eu devia jogar fora esse amor que sinto; mas não, ela sugeriu apenas que eu tornasse público o meu amor, como se isso fosse necessário. Uma vez – uma vezinha somente – expus meu coração. Mostrei-o a uma só pessoa. Mostrei-o assim, meio que escondido. Mas dizem que todos o viram, porque quem ama não consegue esconder.

Não posso soltar meu amor por aí, ao léu. Pois é assim o meu amor: se amo, me espalho todo. E se me esparramo, como vou me guardar depois? O amor que espalho não cabe de volta em meu coração. E não posso ficar atrás de mulher alguma, implorando que me devolva o amor tomado.

Vejo que vou acumulando papéis rabiscados, roupas velhas e amores desfeitos na mesma proporção em que rabisco, compro e amo. São três manias que tenho de sobra.

A noite vai chegando e até agora não consegui arrumar nada – somente uma dor de cabeça. Resolvo então juntar tudo, embolar numa maçaroca só, jogar dentro da mochila e ganhar o mundo assim mesmo. Ganhar o mundo? Pois se acabei de perdê-lo...

Ah, mas hoje é sábado. Posso viajar amanhã. Ou depois... Agora, vou pegar a primeira roupa que meus olhos virem, rasgar estes papéis que rabisquei para Alguém; dar uma sacudida no coração e sair para encontrar um novo amor, porque a vida continua...

8 comentários:

Anônimo disse...

Ah, eu amo esse! Agora escreva o "Guia do Mochileiro dos Papéis Amarelados, das Roupas Maltrapilhas e dos Amores Perdidos". Mas devo confessar que até dói o coração quando tenho de jogar papéis no lixo - daí eu invento uma raiva qualquer e vou amassando tudo, enfiando na lixeira... Costuma funcionar e, no final das contas, eles nem me fazem falta. Mas quando devo me livrar das memórias... Aí complica.

the drama queen disse...

que puxa
tem um montinho de papel aqui do lado..acabei de amassar tudo pra jogar fora mas, provavelmente vão ficar aqui por algum tempo ainda...

Paixão, M. disse...

A vida sempre continua... alheia que só ela!

Nem me fale em arrumações! rs... Não consigo arrumar nem minhas idéias direito. Sempre que me sinto assim compro um caderno. Não tem noção de quantos cadernos sem uso existem por aqui...

Maravilhoso esse texto :)

bjo!

Kamila Zanetti disse...

nossa cara,isso é foda.

obrigada pela visita

Anônimo disse...

Tem alguém que consegue se organizar??? Eu te cofesso que sequer tento mais, apenas deixo q a vida siga seu curso e q a papelama, junto com as experiências se acumulem.
Beijosssssssssssssssss!

Ale disse...

Olá Marcelo! Agora sim, consegui deixar um comentário.
Arrumar papéis é uma tarefa inglória. Toda vez que eu olho para minha mesa, aqui no trabalho, eu tenho vontade de botar fogo em tudo. Mas não vai resolver, então é melhor aumentar a quantidade de pastas em cima da mesa... huahuahauhauah

Gostei bastante desse texto. Agora vou ler os outros, se o tempo deixar, rs.

Bjo

Alessandra

Renata Mofatti disse...

Concordo com Baratinha: o difícil é livrar-se das memórias! Elas não são como papéis!!!

Anônimo disse...

Papéis! Quem não os tem sobrando. Eles são minha sombra, revirando as gavetas e pastas revivo minha vida e consigo imaginar o que está porvir. Já as memórias, muitas vezes me irritam e outras me confortam. Chego a conclusão então, que não conseguiria viver sem ambos.