segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Mulher de escritor

De que vive um escritor, senão de sonhos? Nos seus devaneios, o escritor tudo pode, até mesmo imaginar que algum dia Deus criará uma raça diferente de mulher: a mulher-do-escritor.

Não existem seres humanos perfeitos. Mas não custa sonhar que as mulheres podiam ser. E mulher perfeita deveria ser a mulher de um escritor. Basicamente, assim:

Que fosse discreta, mas não acanhada; que fosse sensual, mas não assanhada; que soubesse receber com classe e economicamente, mas não se negasse a distribuir sorrisos; que promovesse o seu marido nas festas, mas que o poupasse dos chatos; que fosse amiga das mulheres dos outros escritores, mas não dos outros escritores; que lesse todos os seus escritos, mas só elogiasse aqueles que merecessem; que quisesse matar os críticos, mas que soubesse ser carinhosamente crítica; que desse sugestões ao texto, mas sem mudar o ritmo da prosa; que soubesse um pouquinho de português e literatura, mas não mais do que ele; que ordenasse todos os seus arquivos no computador, mas que não apagasse os emails que ele recebe de outras escritoras; que fizesse beicinho quando ele elogiasse uma poetisa, mas que nunca, nunca mesmo, reclamasse.

Por tudo isso, nem precisaria ser linda.

Mas há mais coisas que uma mulher de escritor precisa ser para poder ser considerada como tal:

Que não o incomodasse com as contas a pagar, mas que as pagasse; que cuidasse da sua agenda, mas que o lembrasse do futebol aos sábados; que o deixasse dormir na rede, enquanto a inspiração não viesse; que fosse capaz de ir às bancas comprar os livros dele, secretamente, para distribuí-los a quem não os pudesse comprar; que tivesse coragem de pedir patrocínio para os livros dele, mesmo que ele fingisse não querer; que não se ligasse demais ao dinheiro, mas que o mandasse trabalhar quando desse o meio-dia.

Por tudo isso, não precisaria ser rica.

Mais ainda:

Que me deixasse trabalhar em silêncio, atendendo à porta e ao telefone, enquanto assistisse à novela; que me trouxesse uma inspiradora taça de vinho quando as palavras me faltassem; que, de vez em quando, desse um suspiro alto ao ver o galã beijar a mocinha; que eu pudesse surpreendê-la me olhando, embevecida; que, ao terminar a novela, eu ouvisse o barulho do chuveiro, e logo depois sentisse o cheiro do café sendo passado; e que ela se achegasse com uma xícara e dissesse: aceitas um beijo fresquinho? E, quando a madrugada chegasse, ela passasse na penumbra da sala apenas de camisola, fingisse um bocejo e me desse "aquela" olhada fatal. Aí eu saberia que era hora de deixar a fantasia das letras e viver a vida real.

Por tudo isso, nem precisaria ser formosa.

E, para finalizar:

Para ser mais que perfeita, a mulher do escritor deveria também ser escritora.

Por tudo isso, nem precisaria ser inteligente.

Mas não se preocupem, atuais mulheres de escritores e candidatas a futuras mulheres de escritores. Escritor nenhum merece mulher assim.

Aliás, mulher assim não existe – é só uma criação delirante de um escritor que vive só.

Um comentário:

Paixão, M. disse...

Iiiiih!!!
Acho, então, que eu não seria uma boa mulher de escritor, rsrs... Você é um romântico, hein, Marcelo! Com um pezinho lá no séc. XIX.

Gostei do texto! Divertido e instrutivo pras candidatas!

beijo!